quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Amor Estúpido e Louco


Há os romances bonitinhos e perfeitinhos de Danielle Steel e Nicholas Sparks, e do lado oposto do espectro, há os romances de carne e osso que encontramos em filmes como "Like Crazy". Humanos, motivados por razões igualmente irracionais, mas que cometem erros que escapam ao mundo cor-de-rosa dos livros.

Neste caso, não há qualquer conflito entre pais, ou diferença social, económica, sexual, de género, ou o que quer que seja. Há dois jovens - Anna e Jacob - minimamente atraentes é certo (há essa cedência), que se conhecem e apaixonam nos Estados Unidos. Ela tem um visto de estudante, que deixa estupidamente expirar... por amor. Será fácil questionar porque raio é que a personagem faz isso. Assim como será facil racionalizar outros aspectos: porque é que Jacob não se muda para o Reino Unido? Ou porque é que não se mudam para um outro país qualquer do globo? Mas o amor, tal como a vida, não pode ser medido com as medidas típicas que usamos habitualmente para avaliar quantitativamente e qualitativamente obras e restantes objectos. E ao acreditarmos plenamente naquela relação, e naquelas personagens (fruto também de performances apaixonantes e muito improvisadas do par Felicity Jones+Anton Yelchin - a partir de um esboço de 50 páginas), acreditamos nos seus erros humanos. Acreditamos que o amor é importante, mas em muitos aspectos deixar uma vida assegurada pode ser assustador para um dos membros. Que o amor é grande mas raramente pode ser 50/50. Que o verdadeiro amor pode não sobreviver a um simples lapso, infelizmente.

"Like Crazy" revela-nos também um estilo muito próprio a filmar este desabrochar e desenvolver de relação, nascido em Sundance sim, mas com uma marca identitária capaz de fazer-nos querer ver a restante obra de Drake Doremus. Muitas das pontes entre cenas (sobretudo na primeira metade) são feitas através de montagens de imagens ao som de música, aparentemente baratas, mas posteriormente plenamente justificadas, dado o contexto. É que as imagens adquirem aqui um autêntico estatuto de memórias positivas e incandescentes a serem coladas com fita adesiva em páginas de um álbum, ao lado de palavras sentidas. São as imagens passadas que posteriormente alimentam (e validam) esta relação à distância. E podemos chegar a um ponto onde estas passaram de tal modo a fazer parte de uma alimentação interna, que já não nos reconhecemos naquelas fotografias. E é aí que Doremus dá um toque final de génio a uma história despida e esqueletada, num final tão ambíguo como avassalador.



"Like Crazy" não será um filme para todos. Mas para quem já atravessou uma relação autêntica repleta de obstáculos (nomeadamente relações à distância), é muito provável que vá bater forte. Se até a mim, pouco experiente nestas lides do "amor verdadeiro", bateu...

domingo, 20 de novembro de 2011

OVNI à Solta - Episódio 1

Em busca das obras mais insólitas e inclassificáveis alguma vez vistas, a rubrica "OVNI à Solta" inaugura em grande estilo, com um título de 1992 que servirá de "template" ao que se seguirá (ou não), protagonizado por duas estrelas em ascenção naquela altura.

"Prelúdio de um Beijo" agarra um conceito de "troca de corpos", popularizado há uns anos atrás por filmes como "Freaky Friday" ou "Big". Só que aqui a troca é ligeiramente mais surreal, porque transcende a própria pessoa, ou o género em que esta se insere, mantendo-se uma mudança geracional. Trata-se de um idoso à beira da morte que decide beijar do nada uma noiva (uma sempre carismática e radiante Meg Ryan, aqui a preparar-se para ocupar o trono de rainha das comédias românticas por uns... 7 anos - eu conto a tomada de posse a partir de "Sleepless in Seattle" pessoalmente), para depois...bem... haver uma troca de almas. Isto após uns três quartos de hora de comédia romântica acutilante q.b., em que nada faria prever esta resolução. Muito bom. Sabemos onde esta rotina de peixe fora de água se encaminha? Sinceramente, dá para desconfiar. Mas a certa altura, tememos tudo. E isso é bom.

"Prelúdio de um Beijo", na sua esquizofrenia eminente e com todos os seus problemas inerentes, é dos romances mais subestimados e... desconcertantes da sua década. E como dizer não a um filme com uma moral como "Usem fio dental!" (daquele dos dentes, não do...)?

1+1=?

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Almodóvar e Kate


Curioso no espaço de um dia ter ouvido o meu álbum favorito de 2011 e ter visto o que pode ser o meu filme favorito do ano. Ambos são respectivamente do meu realizador e artista favoritos (Pedro Almodóvar e Kate Bush), logo será muito fácil acusarem-me de parcialidade. Seja. Ambas as obras meticulosas, complexas, difíceis de ingerir, desasossegantes, mas profundamente recompensadoras a longo prazo. Ambos os autores foram já criticados em certos círculos por pisarem uma fina linha entre o génio e o ridículo, e por terem adoptado uma ligeira mudança de estilo recentemente. Almodóvar está mais frio/negro, e Kate... bem, encontrou refúgio no frio, com canções que se estendem no horizonte.



O que é curioso observar é que ambos os trabalhos representam um culminar dos mundos previamente explorados por ambos os artistas nas suas três décadas de carreira. Almodóvar, mais prolífico, teve duas fases essenciais: uma "imatura" que durou até ao início da década de 90, e outra "madura" que teve o seu auge em filmes como "Tudo Sobre a Minha Mãe", "Fala Com Ela" e "Voltar". Neste "A Pele Onde Eu Vivo", encontramos não só um humor e uma bizarria que já não víamos no cineasta desde "Kika" (a sequência do "super-tigre" que viola Vera é claramente reminiscente da cena em que Kika é violada pelo actor porno Pablo!), misturada com uma precisão e maturidade só vista nos filmes que realizou na última década. Isto tudo formando um novo pacote - não só o seu filme mais díficil, como quase que fazendo parte de um novo (terceiro) género de filme para o cineasta.



Do mesmo modo, em "50 Words for Snow" encontramos uma condensação de tudo o que se passou anteriormente - ouvem-se ecos de álbuns como o anterior "Aerial", mas também "Hounds of Love", "The Dreaming" ou "The Sensual World", o que faz com que este álbum seja uma progressão natural do seu trabalho anterior, para algo que ainda não tinha feito ainda. Desde o tamanho das canções, que aqui lembram também Talk Talk no seu período final, até a novas ideias conceptuais ainda não propriamente exploradas - incluindo uma história de amor entre uma mulher e o seu boneco de neve, e uma faixa-título que precisa de ser ouvida para ser acreditada (basicamente são "arranjadas" 50 "palavras" para neve, tal como o título sugere, numa quebra completa da estrutura clássica de uma canção).

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"A Pele Onde Eu Vivo" pode ser visto a partir de hoje num cinema perto de si. "50 Words for Snow" está disponível para stream no site NPR em: http://www.npr.org/2011/11/13/142133269/first-listen-kate-bush-50-words-for-snow?ps=mh_fl e estará à venda a partir da próxima semana

 

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