quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A trip musical dos Cut Copy



Em pleno ano de 2013, onde a música se tornou facilmente desgarrada dos álbuns, e o conceito de "singles" ganha, mais do que um toque colecionista, uma visão fundamental e por vezes cruel (olhe-se por exemplo para o desprezo com que "MDNA" foi recebido o ano passado, em muito graças às pessoas nem sequer terem ouvido o álbum para além dos 3 singles lançados), é bom saber que há suficientes artistas a acreditar no poder do LP enquanto objeto de arte potencialmente mais transformador que uma mera canção pop...

Os australianos Cut Copy sempre fizeram excelentes LPs, com interlúdios espetaculares a colarem as sduas faixas, atenção, mas creio que é com este "Free Your Mind" que finalmente se livram da lógica de singles (desafio: tentar adivinhar os próximos singles daqui retirados; nota: reparar que a faixa-título ganha toda uma nova vida aqui) e de canções que chamam logo à atenção e ficam nos nossos ouvidos um ano inteiro, para fazerem aqui um album imensamente maduro e indistinguível, que convoca, não numa só música, mas numa experiência auditiva de 50 minutos, dois verões de amor: o de São Francisco de 1967 e o do Reino Unido de 1988-1989. O resultado é uma autêntica "trip" musical - e tal como numa "trip" tradicional, os conceitos de espaço e tempo tornam-se aqui propositadamente volúveis! -  comparável ao seminal "Screamadelica" dos Primal Scream (desafio 2: descobrir todas as pontes entre os dois álbuns) e definitivamente, um dos álbuns, a par do que já testemunhámos este ano com "Tomorrow's Harvest" dos Boards of Canada, "Tales of Us" dos Goldfrapp, ou  "Once I Was An Eagle" de Laura Marling, cujo todo é ainda melhor que a soma de qualquer parte (e daí que muitos destes álbuns nem tenham feito uma campanha de singles convencional!), e representa uma esperança de que o formato LP sobreviva a qualquer novo paradigma. 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Quando o Mestre finalmente supera os Aprendizes no jogo deles




A história de Gary Numan será das mais "sui generis" da pop contemporânea. Começando pelos Tubeway Army, onde gravou inicialmente um álbum de demos "punk", para depois se render aos sintetizadores. Com apenas 21 anos, grava um dos singles #1 mais peculiares da história : "Are Friends Electric?", e meses mais tarde, já em nome próprio, surge "Cars" um sucesso á escala global. Depois disto, poderia pensar-se que Numan ficaria durante uns bons tempos a aproveitar-se da fama recém-conquistada... mas não. Após um subestimado "Telekon", Numan anuncia a sua reforma das digressões musicais - tinha apenas 23 anos! Não durou muito, felizmente.



Nas três décadas seguintes, lança 17 álbuns (!), oscilando por territórios como o jazz, o funk e até alguma "dream pop", tendo por volta da década de 90 se tornado ironicamente um seguidor das pessoas que o idoladravam. (Nine Inch Nails, sobretudo)




E agora, ainda sob a sombra dessa influência, e num ano em que ambas as bandas lançam novos álbuns, tornando a comparação mais fácil, Numan lança aquele que pode ser o seu "statement" mais definitivo em 30 anos de carreira (pós-"trilogia distópica" Replicas-The Pleasure Principle-Telekon), superando pela primeira vez os seus aprendizes que tanto idolatra.




É difícil destacar aqui momentos nestas canções de mente quebrada (Numan, caso o ouvinte ainda não tenha captado através da sua arte, descobriu que tem uma forma moderada de autismo, logo o "cocktail" emocional é necessariamente mais complexo aqui). Poderia aqui virar-me para as duas baladas "Lost" e "My Last Day". Mas há aqui também momentos capazes de agitar o Metropolis ou até mesmo um Incógnito em qualquer noite (o mais óbvio sendo "Love Hurt Bleed").




Se a inovação já não pertence propriamente aqui, a maestria de Numan enquanto artista - que conjuga e sempre conjugou melhor o tríptico música-voz-letras que Reznor diga-se (simplesmente o último está também ele a perder capacidade de olhar para o futuro, tornando mais aparentes as suas lacunas nos outros campos)- compensa e bem. Num ano que viu tantos regressos meritórios de veteranos, este está no topo da pilha, ao lado de nomes como os seus contemporâneos e conterrâneos OMD e os Depeche Mode.



Teste

Teste, 1, 2, 3, som.

sábado, 9 de março de 2013

Os últimos truques do mágico-camaleao


Há um paralelo a traçar entre a teia não linear de "Efeitos Secundários", e a trajetória igualmente não linear e camaleónica da carreira de Steven Soderbergh, um dos maiores artistas (no verdadeiro sentido da palavra) que a sétima arte deu a conhecer , capaz de saltitar entre géneros cinematográficos, e entre cadeiras (ele é realizador, diretor de fotografia, é o homem da montagem, ... ).


E por isso que seja curioso que "Efeitos Secundários", conto bem ácido sobre os nossos tempos (como foram quase todos os seus filmes, disfarçados de outras coisas) - aqui a picar muito a indústria farmacêutica e a especulação financeira, seja um belo resumo de um cineasta, que, usando tantas máscaras, manteve sempre a sua identidade bem intacta.

Nele acompanhamos uma jovem (Rooney Mara, ainda melhor aqui que quando andava cheia de piercings e tatuagens) que experimenta uma droga, perdão, um anti-depressivo com aval do seu psiquiatra (Jude Law), que poderá causar...  a morte. 

Correndo o risco de falar demasiado, toques do já esquecido "Malice" moram aqui, assim como muito do cinema paranoico/psicológico do passado, e claro do Mestre Alfred Hitchcock, o qual ficaria sem dúvida orgulhoso deste pupilo prestes a abandonar o hábito. 

Eis o efeito principal que este filme nos apresenta: estupefacção pelas suas reviravoltas honestas e surpreendentes, e alegria por estarmos na presença de um pequeno génio que aprendeu todos os truques e agora mostra-nos com a maior confiança do mundo, o que sabe fazer, antes de sair pela porta principal... Nas mãos de um tarefeiro, a coisa daria para o torto, certamente. Nas mãos do mago ultra-confiante Soderbergh, todas as puxadas de carpete são naturais e deslumbrantes na sua lógica interna, e na maneira como em plena era cínica, nos conseguem remeter para momentos passados, mais inocentes, onde eramos genuinamente surpreendidos pelo que observávamos. 

Se esta for mesmo a sua despedida, Soderbergh sai pela mesma porta grande onde entrou. 

domingo, 10 de fevereiro de 2013

O sexo e a hipsterlândia



Há algo de desconcertante em ver um episódio de "Girls", série da HBO sobre um grupo de 4 raparigas à deriva na cidade de Nova Iorque que conquistou já a crítica (e arrecadou já este ano o Globo de Ouro para Melhor Série de Comédia). Soa familiar? Pois deve soar: afinal, foi a mesma HBO que há uns 15 anos atrás trouxe umas raparigas um pouco mais velhas ao pequeno ecrã, e nos fez olhar para a nova mulher cosmopolita. 




Bem, "Girls" é também cosmopolita, e as suas quatro jovens diferentes umas das outras (a virgem, a assente, a louca e a protagonista, a "gorda" que não é gorda, que acumula um pouco de tudo no fundo, e acaba por fazer melhor de espelho ao espectador comum que uma Carrie Bradshaw...) mas substitui a superficialidade dos "cupcakes" e "Cosmo"'s por um artifício "hipster", que a cada episódio, vai lutando com a real genuinidade de muitos dos seus diálogos, trazendo o tal efeito... desconcertante. Mas é também este jogo de artifícios com momentos verdadeiramente pungentes que nos faz voltar semana a semana, e apreciar um pouco mais este mundo tão fora do nosso alcance, mas que acreditamos que exista.



  
 

Free Blog Counter